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Coisas que aprendi em uma década de Canadá

Ressuscitamos este praticamente finado blog para uma reflexão comemorativa aos 10 anos de "Oh, Canada!"

Aprendi a tirar os sapatos, e como um hábito tão simples, se repetido por 10 anos se torna seu, de forma que eu não consigo mais entrar em casa nenhuma, em lugar nenhum sem tirar os sapatos... ou sem ao menos pensar que eu deveria estar tirando o sapato. Meus filhos acham que este eh o único jeito de viver, e pra mim, 10 anos aqui apagaram os 25 anos lá... verdade para os sapatos, e verdade para muitas outras coisinhas da vida.

Não consigo mais deixar carrinho de supermercado em qualquer lugar do estacionamento. E isso, não importa se esta frio, se esta -30, tempestade de neve ou se eu tenho duas crianças chorando comigo, não importa “se alguém esta sendo pago pra fazer isso”, eu simplesmente acho que eh minha obrigação botar o carrinho no lugar, e não deixar num cantinho, numa vaga de carro vazia, ou em algum lugar que possa atrapalhar alguém. As vezes me da raiva porque eu quero deixar! Mas não consigo... (Marcia, você é responsável por isso!)

Aprendi que se você quer escola pública de qualidade, saúde pública para todos (qualidade a questionar...), se quer ter casa sem portão nem grade você também tem que se contentar em dar metade do seu salário em imposto, pagar multa porque estava dirigindo a 43km/h em uma zona de 30km/h ou porque estava 2 min passado o tempo do seu estacionamento. Dá raiva (acho que aprendi a passar raiva), mas é assim, e não tem negociação. Mas também aprendi a não ser deslumbrada, e que saúde pública universal é PSF. Palmas pro PSF, todo mundo devia usar. Aqui todo mundo usa, não porque quer, mas porque não tem opção. Mas aprendi também que existe uma certa ilusão ao que se tem aqui, e que sim, aqui tem “jeitinho canadense”, tem  “QI= quem indica”,  tem gente que rouba dinheiro público que era pro hospital (vai preso, mas tem), tem gente fazendo coisa torta. Só que quem faz coisa torta não é bem visto.  Seja não trazer a sua própria xícara de café pra não ter que usar descartável em um uma reunião, seja indo de carro quando você podia ir a pé, seja chegando atrasado ou tentando “dar um jeitinho” – ninguém passa despercebido querendo fazer o politicamente incorreto. Acho que esta é uma diferença crucial.

Aprendi a viver com a saudade, e que ela nunca vai passar. Não aprendi a dizer que sou canadense, não importa onde eu vou, se me perguntam de onde eu sou, digo que sou brasileira, o que gera um monte de confusão.

Aprendi a viver com embalagens de tamanho monstruoso de papel higiênico, cereal e detergente, com outlets e compras nos estados unidos, mas ao mesmo tempo curtir a lojinha do bairro com produtos orgânicos,  o café perto da universidade com grãos selecionados, a lojinha de roupas vintage e o parquinho atrás de casa.

Aprendi a apreciar comidas e culturas de outros cantos como nunca antes, porque não é só a comida, mas também o contexto ao qual ela pertence, é de onde vem, quem fez, como veio parar aqui. Talvez minha avó japonesa, tenha tido um pouco mais dessa experiência no Brasil, quando chegou de navio e casamento marcado há uns muitos mais anos atrás, e deve ter cruzado com uns tantos outros imigrantes vindos de outros cantos para trabalhar como ela nas lavouras de café. Mas não acho que ela teve o privilégio de conhecer a cultura das pessoas ao seu redor, ocupada que só com seus 5 filhos pra criar. Eu tenho, mesmo ocupada que só com meus 2.

Aprendi a viver com frio, mas confesso que não aprendi a gostar do frio, como muitos me disseram quando eu cheguei. Até gosto de esquiar, mas acho insuportavelmente não prático ter que carregar toneladas de equipamento, camadas de roupa, meia, bota, cachecol, luva, óculos, saquinho pra esquentar a mão por dentro da luva... Aprendi que algumas coisas não mudam em você, mesmo que você mude tanto. Do tipo, sou preguiçosa, pronto acabou - Ainda acho mais lazer carregar biquíni, canga e chinelo e ficar tomando sol fazendo palavras-cruzadas do que sair pra brincar na neve.

Aprendi que as pessoas são, e sempre serão diferente do que eu sou. Que meus filhos, um híbrido de lá e cá, embora falem, leiam e conversem em português, nunca vão ser tanto como eu, e que tudo bem, eles são um mix de culturas, e representam isso sendo tolerantes, abertos à hábitos e ideias diferentes das suas, sensíveis a diferenças em todos os aspectos. Eles são crianças que não entendem as piadinhas maliciosas que escutam no Brasil, não sacam muito a coisa do rebolado e se estarrecem com crianças pedindo esmola nas ruas de São Paulo. Eles são crianças que comem vegetais crus em festa de aniversário, mas ainda assim amam brigadeiro, capazes de comparar a lenda do Maple com a lenda do saci-pererê, capazes de brincar de jogos de mão em um francês quase incompreensível aos ouvidos da mãe, e ao mesmo tempo traduzir tudo automaticamente, e querer aprender qual é o equivalente dessa brincadeira no Brasil.

Aprendi que viver sem empregada, babá, diarista não é o fim do mundo. Mas não vou dar uma de bem resolvida, não sou. Se pudesse neste instante eu teria uma. Pagaria FGTS, fundo de pensão, férias e sei lá mais o que, mas teria. Ter ajuda em casa não é imprescindível, faz marido aprender que ele não ajuda, mas colabora igualmente, faz filhos terem uma noção muito mais clara de que sim, é responsabilidade deles fazer as tarefas domésticas, mas faz também uma falta danada, e faz a vida um cadinho mais complicada. Mas ninguém morre por causa disso, uma década de sobrevivência me fizeram estranhar essa noção de serventia que a gente tem na Terrinha. Essa coisa de alguém pegar sua roupa suja e devolver lavada e passada, embora me pareça ainda desejável,  já me é um pouco estranha.

Aprendi que na distância a família são os amigos, e uma rede sólida de amigos é imprescindível à sobrevivência. Há que se ter amigos pra matar a saudade que não se mata, pra ir na padaria nova experimentar o pão de queijo e entender o quanto você precisava disso, pra ir buscar o filho na escola quando você se enrolou no trabalho, pra revezar no cuidado dos filhos pra você ter um tempo com o marido.  E há de se entender também que amigos feitos aqui, são amigos diferentes do que você tinha lá. Nada substitui uma amizade de infância, mas o coração vai se ajustando como pode, e você acha lugares pra acolher, tolerar, amar coisas que só se repara em amizades de adultos.

Aqui no Canadá aprendi a crescer. Virei gente grande, ou como disse a Mari num post aí, “adulteci” (adorei!).  Acho que isso tem mais a ver com ter vindo para cá na metade dos meus 20 e estar agora na metade dos meus 30, acho que é por aí na vida que isso acontece, independentemente de onde se esteja no mundo. Aprendi a ser mãe, e de uma maternidade tão diferente da que vejo e que seria se estivesse no Brasil. Aprendi a ser profissional, enverguei pra carreira acadêmica que ao bem da verdade nunca tinha considerado, e pouco a pouco fui vendo as minhas preocupações de antes do tipo “o que eu vou ser quando crescer” para “puts... e agora que eu sou isso, será que deveria ser outra coisa?”, ou de “será que eu vou ter filhos?” pra “o que meus filhos vão ser?”, e de vontades de mudar o mundo para alguns atos bem concretos nessa direção, sabendo que o mudo que se muda é um mundo bem limitado, mas que se muda de fato.

Aprendi a viver comparando (vide esse post), numa inquietude que acho que não tem concerto. Parece que não tem jeito de estar aqui sem estar pensando no que seria lá. Aprendi a chegar no Brasil e ao invés de querer ver todas as pessoas e ir em todos os lugares eu só quero ver poucas pessoas e poucos lugares (que geralmente envolvem lojas de sapato, praia e padarias) e apesar da delícia de entrar e sair de um lugar sem ter que trocar a roupa inteira (e sem ter que tirar os sapatos), de não ter que olhar a meteorologia antes de sair de casa e de ter suco de laranja, manga e goiaba frescos quando quiser, eu acho (veja bem que eu ainda só acho) que essa mudança não tem volta. Aprendi que aqui é o meu lugar. Ao menos por enquanto... até que eu aprenda alguma coisa nova.





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Tios


Tios são seres que ficaram pra titio. Não só ficaram pra titio como decidiram abraçar esta missão como estilo de vida. Não só adotaram como estilo de vida como fazem questão de se orgulharem muito deste fato. As pessoas podem não saber que os tios tem irmã, mas não há quem não saiba que os tios tem sobrinhos. E que por isso, tios são seres que não medem esforços, não medem milhagem, pegam avião, trem e ônibus pra passar tempo ao lado. E quando chegam... é uma festa só.

Tios são seres que estragam os sobrinhos, alvos de sua 'tiagem'. Estragam trazendo vinte jogos de tabuleiro e dando todos de uma vez para o sobrinho que é jogo-maníaco. Estragam não só dando os tais jogos, mas passando horas a fio noite a dentro nos tempos de festa jogando os tais jogos, deixando a clara impressão que todo tempo do mundo só existe pra eles. Estragam dando pão com Nutella escondido quando a mãe, aquela chata, claramente falou que um pão com Nutella era suficiente - e que por isso, ganham o amor incondicional da sobrinha fugitiva do spa. Tios não tem nada a perder, e tem corações a ganhar, não que pra isso precisassem fazer muito esforço já que os corações se pertencem mutuamente.

Ah, Keiko, nem foram tantos jogos assim!
Tradicional casa de biscoitos, com o tio fica mais gostoso
Tio, também conhecido como dragãozinho


Tios são seres que dão livro de colorir muito fora da caixinha, cujo título, aliás, é "fora das linhas". Aliás, tios sabem que livros de colorir fora da linha existem, pois tios são seres que se empenham em trazer seus fantásticos, coloridos, criativos e não-ortodoxos mundos para o mundo dos seus sobrinhos, e fazem com isso um estrago de níveis cósmicos na cabeça dos sobrinhos que, de repente, descobrem que tudo pode ser diferente, e transformam o sobrinho mais caxias em um grafiteiro com propósito de mudar a arte e revolucionar o mundo (nada de mais, ele só está com a ideia fixa de montar uma exposição de arte moderna onde crianças do mundo expõe pinturas que fizeram "fora da linha"). Tios são seres que gastam o dinheiro que não tem sem dó no brinquedo de fazer animação, porque acham essencial que o sobrinho se fascine com animação como ele, e brinca, mais animado ainda, de fazer animação com o sobrinho.


Desfile ridículo, ideia de quem? Só podia ser do tio...

Difícil saber quem se diverte mais...

 Tios são seres aguardados porque se sabe que quando chegarem, vão fazer coisas épicas.  Lendas não são tão fascinantes quanto a história "do meu tio que fez um Igloo de verdade!", só superada pelo  rink de patinação no gelo na sacada da sua casa, não importa quanto tempo isso gaste. Pois tios tem tempo... e tem propósito: fazer os sobrinhos felizes - e com o tempo ensinam a sobrinha a patinar, jogam hockey com o sobrinho, e deixam os sobrinhos com histórias pra contar: "você sabia que meu tio fez um igloo?! De verdade, e um rink de patinação no gelo só pra gente! E um tobogã de neve na escada!! - Ah é porque meu tio é malucão, né?"
Ele trabalha até altas horas e congela a água do bairro inteiro na nossa sacada sem resguardos

Aula de patins para os pequenos

Tio que é tio não tem medo de pagar mico
E tem tempo para ler as regras (de todos) os jogos novos


Tios são seres que trazem kit de experiência científica no saco de salgadinho, que trazem kit de fazer insetos gósmicos, são seres que dão a chave pra um jardim secreto de regadores que regam de cabeça pra baixo e fazem a mente partir pra longe, num caminho sem volta. Tios são seres que fazem qualquer viagem ficar mais divertida, eles sempre tem um jogo, sempre fazem dupla na senha, sempre tem uma palhaçada que ninguém pensou, sempre empurram os sobrinhos pra fazer alguma coisa que eles não fariam com mais ninguém, sempre servem de dragãozinho pra princesa em apuros, mesmo que isso lhe custe um ataque de artrite, sempre estão dispostos pra acordar pra jogar só mais uma partida, fazer desfile de roupas malucas ou brincar no parquinho coberto de neve muito depois da hora de dormir.

Brincar no parquinho à -10 graus as 10 horas da noite? É claro que sim! É só chamar meu tio!




Com tio não tem viagem sem emoção...
Meu tio acha os lugares mais inóspitos pra tirar foto
Meu tio faz poses ridículas, mas quem liga?



 Tios são seres que quando partem, deixam uma cratera no espaço, uma maior no coração, deixam sobrinhos chorando no aeroporto, deixam sobrinhos pintando pra matar a saudade quando a saudade não tem palavras, deixam jogos empilhados sem graça de serem jogados, deixam perguntas de "e quando a gente vai pro Brasil? E pra NY?", e "porquês" das distâncias ficam mais doloridos. Deixam a mãe dos sobrinhos arrasada, passada, sem vontade de fazer nada.






Difícil ficar sério perto dos tios... é contagiante, de um jeito ou de outro, eles te tiram do sério!
Mas cada "Tchau" é mais difícil e cheio de lágrimas

Quando eu era pequena eu sempre quis ter uma irmã, já até confessei que quando o tio mais novo nasceu eu brincava de boneca com ele (o que certamente me tira um pouco o moral
frente às "tiagens"dele hoje em dia). Mas já faz um tempo que eu percebi o tamanho da sorte de ter tido dois tios pra fazer estrago por aqui. Eu tenho pra mim que tios que não tem filho são uma espécie mais única ainda, porque a energia é toda deles, a concentração, as projeções de "eu fazia isso quando era criança, você vai adorar", ou "eu sempre quis que meu tio fizesse isso comigo, então vou fazer com você", das parcerias no crime sem remorso. Ser a mãe dos sobrinhos tem uma vantagem clara: só eu tenho commodities pra fazer ameaças: Seus imbecis, voltem logo e voltem pra ficar, porque tá fácil não sem vocês!




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Stand up comedy do dia-a-dia

Passarina batendo os braços na frente do espelho:
- Ai, mamãe, porque eu não consigo voar?? No meu sonho eu vôo bem assim ó (bate os braços), ou assim (tipo planando, manja?)

Questionamentos profundos: Eu sonhava muito que voava quando era pequena, mas não sonho mais! Será que voar é sonho só pra criança, que você perde ao crescer e botar os pés no chão? Hein, hein? Ou será que eu só não sonho mais que estou voando porque não tenho tempo de sonhar dormindo 5 horas por noite? Ou será que, tá, tá, tá...

Volta as aulas, segunda série do meu Escolack.
Eu morria de vontade de voltar pra escola, eu vibrava, cheirava, dormia abraçada com o meu material novo, eu sempre amei puxar o saco, digo, valorizar meus professores e reconhecer o trabalho árduo (ninguém merece uma sala de aula com 21 crianças O DIA INTEIRO, que além de tudo, você tem que educar), além do que é massa ser a aluna preferida, ah, eu achava (e se não fosse ridículo confessar até ia dizer que ainda acho!). Mas como filho não vem na medida que a gente encomenda, o meu está sofrendo horrores para voltar as aulas, não está nem aí pra caixa de lápis de cor de 24 cores (sabe, 24 CORES!!!) e não entendeu, nem depois da explicação, o porquê de "ter"que levar um pacotinho de madeleines para a nova professora ("mas eu nem conheço ela, mamãe!?!?) - ai, ai... tanto a aprender, esse menino...

O menino acordou ontem com vontade de fazer uma receita do livro de receitas do Menino Maluquinho. Lendo as instruções:
- Pegue uma frigideira - Vai mamãe, pega a frigideira
- Oxi filho, você consegue pegar! Pegue a frigideira e coloque em cima do fogão que a receita é sua!
- Mamãe, você tá louca?? - hmmmmm (fazendo força, com as mãozinhas embaixo da geladeira, tentando levantar a mesma), é MUITO pesada!!! E por que tem que colocar em cima do fogão?

Geladeira, em francês é "frigidaire". Parônimos que dão pano pra risadas, né não?

Ninoca que trabalha comigo em casa toda segunda-feira, escutando uma música instrumental "intensa", trilha sonora de algum filme na Radioradinho:
- Ai, mamãe que música é essa?
- É a música de alguma coisa acontecendo...
- Será alguma coisa TERRÍVEL?



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7, o número da perfeição

- Olha Nina, que engraçado, uma mulher com um vestido bem lindinho andando de capacete! - diz a mãe, observando uma mulher atravessar a rua em uma combinação de vestido rodadinho de bolinha com um capacete enorme.
 - Mamãe, você acha que se a moça pudesse te ouvir, ela ia gostar do que você está falando dela? - diz o filho de 7 anos que não estava na conversa, mas que

não perde uma, reproduzindo o que (para minha redenção) já ouviu várias vezes, inclusive mais cedo no mesmo dia quando a irmã tinha notado um homem que andava " engraçado".
- Mas filho, eu não estou falando uma coisa ruim, é só uma observação de uma coisa interessante...
- É, mamãe, mas se fosse você, e você ouvisse alguém falando isso de você, será que você ia ficar feliz?(checkmate).
- Tá certo, filho, não, eu não ficaria. Acho que está errado mesmo fazer observações sobre a maneira como as pessoas estão, são, ou se comportam...


Este, filhinho, é você aos 7 anos. Um menino tão bonzinho e tão " das regras" que as vezes até me espanta. Um meninão que sofre, de verdade e por dentro quando sabe que transgrediu as tais regras e tem que ficar de castigo, ou leva uma bronca (e não acontece muito). Um menino que está tentado crescer, mas lutando com a candura que te é tão peculiar, que sofreu horrores e viveu um drama digno de novela mexicana para arrancar cada um dos primeiras 4 dentes de leite que caíram, te graduando para o mundo dos que tem pelo menos, alguma coisa de adulto! (Os dentes) - E olha, se te fez sofrer porque você morre de medo (de tudo, de aranha a montanha russa, a tirada do dente), em mim doeu muito mais saber que cada coisa que acontece com você a cada dia é sem volta... que eu nunca mais vou segurar sua mão enquanto papai te arranca seu primeiro dente mole, que eu nunca mais vou ver você terminando com orgulho, apesar da preguiça, seu primeiro livro inteirinho, que eu não vou te abraçar e cobrir seu olho pra você chegar vivo até o fim da sua primeira montanha russa, que o seu mundo de "primeiros"está oficialmente ficando pra trás, junto com a primeira série, o primeiro dia de escola... eu sei que ainda terão outros primeiros, mas eles serão cada vez menos nossos, e cada vez mais seus (não vou dividir seu primeiro beijo, prometo! - Quer dizer... se eu estiver por perto e puder ficar espiando escondida... quem sabe? - Tá, tá, tá...) - mas eu espero, pelo menos, poder ainda segurar sua mão por muitos segundos, terceiros, milésimos medos, sucessos, derrotas, conquistas e caminhos.

Você aos sete anos está tendo cada vez mais consciência de que existe uma vida ficando pra trás, enquanto outra se abre pela frente... e talvez o meu sofrimento ao te ver crescer tão rápido, te faça até ter umas crises do tipo "eu preciso guardar todas as minhas roupas para o Teco (seu boneco companheiro desde 1 ano), porque ele também vai crescer, mamãe!". Isso, alternado com surtos de maturidade como este mencionado aí em cima, brigas absurdas com sua irmã pra ver quem aperta o botão do elevador (o de dentro, porque o de fora subitamente foi desclassificado como uma atividade competitiva...), alternado com um cuidado extremo com a mesma irmã, que você carrega no colo quando ela está nervosa e só você serve, que faz massagem pra sarar as dores de crescimento que não a deixam dormir a noite, que você acha e sabe as atividades que vão fazê-la feliz, e pisca pra mim quando ela, que estava chorando, abre a maior gargalhada com uma palhaçada sua, como quem diz: "viu mamãe, deixa comigo que eu sei cuidar dela!". E é fato, você sabe.

Você aos sete anos é um menino que me irrita, ao mesmo tempo que me encanta quando em 100% das vezes que eu digo alguma coisa, pergunta:
- Mas como você sabe? ou - Mas por que? - sendo que os porquês de 7 anos não se explicam com uma resposta vaga, e obviamente não com um "porque sim". Os porquês de 7 anos precisam de prova, meus caros! Evidência, registro em cartório, significância estatística e fotos.
E que já sabe que a resposta para esta pergunta, ou para as que eu não sei (que você já descobriu, são muitas) é sempre: "porque eu pesquisei"ou "então vamos pesquisar!" - e foi assim que você conclui sozinho recentemente que o meu trabalho, de pesquisadora, consiste em consultar o Google. Certo, precisamos retificar essa situação antes que o governo descubra e corte minha bolsa, né não?

Meu grandão, você aos 7 anos me faz sentir cada vez mais inteira, com aquele senso de ter feito alguma coisa certa, mesmo fazendo tantas erradas, e deve ter a ver 7 anos ser também o número da perfeição. Você aos 7 anos perdeu aquelas bochechas que te faziam naturalmente fofo até uns anos atrás, perdeu as palavras faladas erradas que te faziam engraçadinho, ganhou uns dentões desproporcionalmente grandes e tortos, perdeu o fator "engana troxa"que aceita qualquer resposta, e o que sobrou, e cada vez sobrará, começa a ser você mesmo! Coisa estranha essa de você ser você, sabe? De começar a se identificar como uma pessoa todinha pessoa. Uma pessoa que toma banho sozinho, que sabe até fazer seu próprio café da manhã! Que sabe achar respostas no Google, que consegue ler e entender as regras de um jogo sozinho (e bom, é evidente que você é uma pessoa que gosta de jogos de tabuleiro!), uma pessoa que escolheu como tema da festa "Livros" e encarou de boa a ideia de fazer uma troca de livros ao invés de ganhar presentes, uma pessoa que vai ser com certeza jogador de basquete, ou inventor (e quem nunca?) ou médico, ou palhaço, uma pessoa que é o melhor companheiro pra assistir reality shows (Amazing Race ou Extreme Makeover Home edition), uma pessoa que decide que "não vai comer carne mesmo, nem quando o papai falar que pode, mamãe, porque faz mal pra saúde, né?"(mas que claramente ignora este pensamento se estiver no McDonald's... porque nem meninos perfeitos são perfeitos, né?), uma pessoa que, aliás, come qualquer coisa (até suco de couve com mirtilho e chia) se eu falar que vai ser bom pra saúde, uma pessoa que chora sem pudor, que morre de rir falando bobeiras para bebezinhos (e que todos os bebezinhos adoram!), uma pessoa que precisa muito de um beijo, uma mãozinha no rosto , um abraço apertado e 3 músicas antes de dormir (ai... talvez essa não dure pra sempre...), uma pessoa muito competitiva (nota para o futuro: culpe seu pai e seu tio por essa!), uma pessoa que se esforça para entender as coisas, mesmo quando elas são difíceis de entender, uma pessoa que enche meu coração, meus dias de alegria e de batuque em tudo que encosta.

Nossa filhinho, tanto orgulho da pessoinha que você está virando, viu? Multiplique a perfeição por mil, tire um pouquinho do medo, porque as vezes a gente precisa encarar umas montanhas russas e um frio na barriga para se sentir mais inteiro; tire um pouquinho da necessidade de ganhar, porque por mais que você sempre vá ser o meu campeão, na vida você vai perder, e não vai ser pouco; deixe a preguiça de lado quando der, porque os melhores livros são grossos e sem figura, fazer caminhadas longas pode ser bom (mesmo que sua mãe não seja um bom exemplo, ah sim, nota para o futuro 2: sua mãe nem sempre é um bom exemplo! Mas leia essa só quando você tiver passado da adolescência, tá?), e pode continuar bagunceiro e com preguiça de dobrar roupa porque eu sempre fui assim e isso não dá nada (desde que você não precise de roupas passadas pra trabalhar, mas olha só, tanto jogador de basquete quanto palhaço não precisam de roupa passada, e inventor e médico podem usar jaleco, então tudo certo!).

Acho que a estrada pra frente é de acrescentar à essa pessoa que já está pré-moldada... e olha que eu nem acabei de ler o livro " Os 7 primeiros anos", que são mesmo os mais essenciais. Diz a neurologia que daqui pra frente, é criar em cima do que já está criado, ao invés de criar o novo como foi até aqui, e eu fico bem feliz de saber que nessa base tem um menino com senso de humor, um menino que respeita os outros, que tem pensamento crítico pra não aceitar qualquer resposta, que é muito criativo, que ama a Deus e tenta sempre fazer o que é certo, mesmo quando é difícil, que é afinado e tem ritmo, que entende que as diferenças são essenciais para um mundo bonito, que entende o que é preciso para uma boa saúde, que fecha a torneira quando está escovando os dentes e sabe reciclar, ... acho que com isso dá pra fazer um samba bom... por mais 7, por mais 70...

Perfeição!



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Os protestos de sexta-feira

E quem disse que só quem quer mudar o país e mães em geral ficam cansados e de saco cheio e revoltados com a vida na sexta-feira, né não minha gente?

Veja Nina, no maior clima dos protestos no Brasil, na primavera dos seus 4 anos...

Chega no carro, depois da creche:
- Mamãe... você tem uma comidinha pra mim? (Carinha linda de gordinha sorridente, gostosa, vontade de morder)
- Ah filha, não tem nada...
- Aaaaaaaaaaaaa (é um grito, tá? Assim, grande e doído igual a galera na Paulista), não acredito!!!! Eu esqueci o meu iogurte no carro do Papai, agora como eu vou fazer? (cara desconsolada, arrasada, Dilma depois do impeachment), Mamãe, eu to com fooooomeeeeeee (cara daquele outro protestante em greve de fome que não come há 40 dias pelo menos).
- Ah Nina, a gente já já chega em casa
- Mas mamãe, como eu vou fazer? Eu tenho dois dodóis no joelho, e minha barriga tá me dizendo que ela tá com muita fome, mamãe (ai que dó... todo mundo sabe que uma coisa é passar fome, agora...passar fome com dois arranhões no joelho!! É o tal dos 20 centavos!!)
- Nina! Olha o cavalo, que lindão!  - Diz a mãe, achando que está arrasando ao se utilizar da técnica milenar de distração para apaziguar crises (o gás lacrimogênio está em falta por aqui...)
- Aaaaaaaaaaaaa (é outro grito, caso não tenha ficado claro), ah, mamãe, eu queria tanto um cavalo bem clarinho e cor-de-rosa!!!! (lágrimas, lágrimas, lágrimas, mesmo sem gás)
- Ah minha filha, tá bom, vamos comprar um iogurte. - Diz a mãe de saco cheio e se dando por vencida. Digo, diz a mãe que compreende as necessidades da filha e sabe da importância de ouvir as ansiedades de um pequeno coração. Como a loja de cavalo cor-de-rosa estava fechada devido aos protestos, fomos na padaria, que fica na estação de trem. Chegando na estação de trem:
- Aaaaaaaaaaaa mamãe, a gente já veio aqui buscar a vovó uma vez! - Diz a menina provando que roubou de fato toda a memória da mãe - Eu quero tanto ver minha vovóoooooooo!!!
Iogurte, frutinha, um croissant. Vale tudo para restaurar a paz mundial, o fim do aquecimento global, pelo direito de voto das mulheres no Afeganistão....

Chegando em casa, bem alimentada e feliz, a mesma menina (juro que não troquei!! A despeito da vontade), sai pra ir na casa do vizinho e pede para ir a pé. A mãe, sedentária, mas que escreve projetos de promoção de saúde, concorda feliz (até porque não dá nem dois quarteirões). No caminho, o ser bipolar celebra o primeiro dia de verão no hemisfério norte saltitando pela grama:
- Ah mamãe, sabe por que eu gosto de ir a pé?
- Porque, filha?
- Porque o sol ilumina "em eu"... e tem tantas aventuras.... (olhando para o sol, saltitando como quem acabou de eleger alguém miraculoso pra transformar o Brasil no país do futuro que acabou de chegar....)

Vai entender...
Vem pra rua ;-)
PS - Enquanto isso, no país dos idosos, eu tenho um filho de 7 anos!! Post comemorativo (sempre atrasado) em breve...
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Hoje é Domingo

Obviamente que não (hoje não é domingo), porque as coisas aqui em casa ultimamente (tipo... nos últimos 7 anos) raramente acontecem ou são reportadas em tempo real. Sim, elas não acontecem em tempo real. Tenho pra mim que a maternidade transporta tudo para um sub-tempo, onde tudo acontece só do jeito que tem que acontecer, sem contagem de dias, sem hora para aquela sua tele-conferência imprescindível que você não podia perder por nada (até que a filha fique doente e você esqueça completamente), sem horário para escrever no blog na hora que as coisas acontecem (nem pelos próximos meses ou anos), sem horário pra manicure sem a qual você achava que não podia viver, sem horário para eventos que precisam esperar até você ter tempo de organizá-los, sem horário para aquelas regras lindas de educação que funcionam tão bem nos livros (ou nos blogs das outras mães), enfim, vocês sabem do que estou falando, aquela tal da quarta dimensão...

Daí que ontem (que era domingo) foi daqueles Domingos de revista. Eu, que já estava com um filhote extra, topei agrupar mais 3 pra dar uma força pra amiga que sempre cuida dos meus (3 a mais, 3 a menos, e quem mora longe da família sabe que sem amigos nós não somos ninguém!). Seis crianças, dia de sol, maridão foi cortar a grama, e eu só deixei eles na televisão por umas 3 horas no máximo... (brincadeirinha amigas que deixaram os filhos comigo! Foram só 3 desenhos, eu prometo! Até porque nem adianta mentir quando se está cuidando de criança que fala! Que esses dão o relatório completo! Esses dedo-duros! - Aqui eu já falei: Pode comer o terceiro pedaço de bolo de chocolate, mas só se não contar pra sua mãe! Tooooo brincande de novo amigas que deixaram os filhos aqui em casa, é no máximo dois e ponto final :-p ).

Daí que eu tenho um "sub-solo"que eu acho divertidíssimo, é o que eu chamo de "terra do nunca", zona de ninguém, lá embaixo pode tudo. Pode riscar a parede, pode andar de carrinho, jogar hóckey, futebol, montar forte... os amiguinhos adoram, galerinha pira mesmo lá embaixo, e é claro, que Sapequina leva "tudo" ao pé da letra. Estava eu cá tentando arrumar um café da manhã saudável e feliz (mais ou menos meio-dia, tem que alimentar os filhos dos outros, veja bem) e Corretack vem ofegante:
-Mamãe!!!! Você não sabe, que desastre! A Nina está dentro do Puff, tem bolinha por todo lado, em tudo, mamãe, tudo, tudo, tudo (repare que o número de repetições é sempre proporcional ao tamanho do desastre).

Mãe chega lá embaixo, a menina literalmente dentro do puff (como será que escreve puff, gente?) só a cabeça pra fora, bolinhas de isopor espalhadas realmente por tudo, tudo, tudo, e a criança, com a maior cara de danada, danada, danada (eu tinha perdido meu celular, droga!) do universo, estica os braços (espalhando ainda mais bolinhas de isopor no movimento) e faz: Ta-dã!!!!! - Saca, tipo, circo: Ta-dã! - Olha o que fiz que liiiiiindo: - Ta-dã! As outras crianças rolando nas bolinhas, histéricas e contentíssimas com o feito: Ta-dã!

Normalmente eu ficaria naquele dilema: Rola de rir, chora, briga, enfia o resto da criança no puff? MAS, como no dia anterior ela já tinha começado este mesmo experimento e eu tinha sido bem clara que podia fazer tudo, menos abrir o tal do Puff, eu tive que mostrar que sou acima de tudo uma mãe consistente (cof-cof), e que sete anos de maternidade me ensinaram bem a a necessidade de as vezes, rir (muito) pra dentro. Leva pro castigo, no cantinho escuro (reservado para as ações de nível 5 - porque no claro não dá pra pensar muito bem), e só escuto ela falando:
- Não tem problema mamãe, eu nem vou ter medo de ficar no escuro porque eu confio em Deus.
Veja bem, que a menina é arteira, mas escuta as histórias da Bíblia como ninguém, uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.

Quando a mãe se acalma, ri por dentro, e ela parece arrependida (castigo aqui é assim: quando você estiver pronta pra ser obediente você me chama):
- Nina, por que você abriu o puff se a mamãe falou ontem pra você não abrir?
- Ah, mamãe, é que parecia TÃO legal. (Fato, né gente! Pensa que coisa mais divertida entrar num puff de bolinhas de isopor, realmente MUITO legal...)
- Mas Nina, tem que obedecer a mamãe, né, filha?
- Até quando é muito legal, mamãe?
- Até quando é muito legal...
- Táaaa bom (com a cara mais triste e frustrada do mundo, do tipo, "pô, sacanagem ter que obedecer até quando for muito legal...mas tá bom...)

Depois de algumas horas aspirando bolinhas (que foi o castigo mais divertido da história), outras tantas brincando de rouba bandeira, elefante colorido e guerrinha de água no parque e andando de bicicleta eu acabei o dia sem mal conseguir subir uma escada (e hoje de manhã estava me perguntando porque tudo doía... acabei de lembrar), mas sinceramente, talvez eu não queira ter seis filhos (só se for em esquema de cooperativa, como eu sugerí às amigas)... mas não sei como seria viver em uma casa onde bolinhas nunca saem do puff, sem criança pequena e suas sapequices insuportavelmente fofas... como será viver fora esta quarta dimensão...

Maridinho romântico achou que se eu aspirasse todas as bolinhas e conseguisse cuidar de 6 eu merecia uma declaração de amor na grama
O sexteto - alegria e diversão, na quarta dimensão 


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Capítulo 4


Como diria uma amiga: Eu quero fazer um Bonsai de Ninoca! Será que dá?

Minha filhota gostosa

4 anos!!
Todo pai e mãe fala “nossa, passou voando, parece que foi ontem”, e de fato, isso é verdade. Parece que a gente piscou o olho e um bebezinho muito gorducho e muito bochechudo virou essa princesa bailarina que canta, dança e fala O TEMPO TODO. Não é exagero, é o tempo todo, exceto quando a bateria acaba, o que só acontece em situações extremas tipo a nossa última viagem ao Brasil com mais de 20 horas de vôo em 4 escalas das quais todas deram errado de alguma forma. Mas vamos falar sobre isso daqui a pouco.

Por outro lado, neste momento de retrospectiva, eu não consigo entender como tanto tempo cabe em somente 4 anos. E ao bem da verdade, ando fazendo uma força danada pra tentar lembrar como era a vida antes de você… será que tinha uma? Você preencheu cada espaço, cada silêncio, cada momento de um jeito tão arrebatador, tão divertido, tão único que eu sinceramente olho e penso que “parece que foi há 200 anos”, parece que a gente sempre existiu e só existiu juntas. 

O tempo vai passar pra você também, minha coisinha gostosa. Daqui uns anos  você vai descobrir como aniversários não são dias mágicos nos quais, como hoje, você acorda se sentindo grande e forte e “virando 4 anos”, em boa tradução. Nem sempre o mundo inteiro vai mudar num passe de mágica no dia 4 de março, mas você, como eu, vai descobrir que aniversários são sim mágicos, mas de uma mágica deveras diferente. Uma mágica que faz a gente parar e pensar no que passou, no que virá, no que foi bom, no que precisa mudar. Porque aniversários fazem isso com gente que não é tão sábia  quanto você, que consegue ver bem o que está a sua frente, que me respondeu hoje à pergunta:
-       - O que você mais gostou dos seus 4 anos?
-       - De você, mamãezinha linda e quentinha!
Um dia, você também vai olhar pro dia 4 de março chegando no calendário e pensar: mas onde foi parar o tempo? E ao mesmo tempo, que tempo? – Essas reflexões meio que absurdas pra você, são apenas porque o seu aniversário é muito perto do da mamãe, e ela queria estar fazendo 4 também, tão mais divertido que 32!

Mas enfim, voltemos aos 4. Você, que sempre foi do partido das bailarinas, agora se afiliou com carteirinha e ações no sindicato das princesas. Eu posso culpar seu pai, que te deu uma peruca loira e “muito longa” da Rapunzel, junto com o vestido da mesma. Posso culpar sua avó que te deu o vestido da Cinderela, posso culpar o mundo e o capitalismo pela imposição cultural e social das princesas. Mas eu não aguentei quando você, num dia de vento batendo no rosto e seu cabelo mesmo voando lindo pra trás ficou toda séria e começou a cantar: “ Have you ever heard the wolf cry to the blue moon”, e quando eu quis tirar uma foto e falei pra você sorrir, você me falou que não, porque a Pocahontas é séria. Além disso, você não só constatou sozinha que você está mais pra Pocahontas do que pra Cinderela, mas fez uma constação que eu achei interessante, do ponto de vista antropológico, ainda que um pouquinho preocupante, do ponto de vista social , você falou que a Pocahontas e a Jasmin podem ser amigas, porque elas duas são “marrons”. Eu expliquei que não, que todas podem ser amigas, inclusive a Cinderela, coitada, que só tem irmãs más, que ela iria se divertir horrores brincando na floresta com a Pocahontas, ao que você reagiu com a maior cara de “dããr”: “Mamãe, as princesas são adultas, elas não brincam”. Enfim, princesas e suas concepções distorcidas da realidade a parte, a fofura é inevitável. Além do que, você anda se divertindo tanto com a turma da Mônica, com o Patati Patatá, com a Galinha Pintadinha e esses outros capitalistas mais tupiniquins, além dos seus amigos sem marca que são tão preferidos como a sapinha caolha, a tartaruga do projeto Tamar, o porquinho que tem filhotinhos que mamam e o macaquinho pendurado na mamãe, que no fringir dos ovos, eu acho que o negócio é relaxar e deixar você curtir o bom e o ruim. Fiquei tão feliz quando você escolheu sozinha fazer sua festa de 4 anos de “Boneca de neve”, sem nenhuma princesa por perto, que  acho que quando você crescer você vai saber que a roupa da feirinha é tão mais legal do que a da Pakalolo (se bem que você nunca vai saber o que é a Pakalolo), mesmo que só uma vezinha você queira pelo menos um elastiquinho de marca, tudo bem, a gente vai achar um equilíbrio bacana, de comer granola feita em casa mas de vez em quando ir ao McDonald’s.

Do que você é hoje, posso dizer por mim: uma bebezoca gostosa muito, muito engraçada. Você tem personalidade, minha filha, sempre teve! Sabe o que quer e se faz ouvir, característica que eu adoro quase sempre, exceto quando a gente está com muita pressa. Mas eu adoro seu senso de humor, como você não passa batido, e como você sempre tem resposta para tudo, e perguntas para as coisas sem resposta. Coisa de mãe achar que só você é assim. Mas já te digo que só você é assim! J Na escolinha a professora não cansa de me dizer que você vai ser ou artista, pelas suas inúmeras performances, caras e bocas, ou primeira ministra, porque você é uma líder nata. Já vi você liderando todos os seus 18 amiguinhos em um passeio de “ônibus”, onde você organizava quem entrava, quem saía, quem fazia o quê. Já ví você coordenando um piquenique e vejo todos os dias umas 5 ou 6 amiguinhas saindo no tapa, literalmente, pra te abraçar primeiro quando você chega na escolinha. O que eu amo nisso é que a professora vive me contando como você contorna essas disputas “com classe”, ou saindo dela de vez (do tipo, se vocês vão ficar brigando então eu vou brincar com os meninos), ou tentando organizar o coreto. E como você sempre tenta incluir outras crianças “menos populares” (eu jurava que essa de popularidade era mais pra frente...) para quebrar o atrito, e pra deixar todo mundo brincar. Eu amo até o fato de você dizer, sem vergonha nem pudores que você “gosta mais do papai do que da mamãe”, que você prefere piscina à praia, que você só vai usar o casaquinho enquanto eu estiver vendo mas que depois você vai tirar porque você sente calor, e que você era danada, quando riscou a parede de casa, mas que não vai mais ser porque o papai ficou bravo, mas você acha que não tem problema riscar a parede. Autenticidade te resume bem. Eu adoro ter sido a fábrica que produziu esse exemplar único. Sua patente não tem preço!

Das coisas que eu mais amo fazer com você, estão nossos bolos e cupcakes, que você pede pra fazer e eu não aguento, tenho que parar tudo para ver você se orgulhando por já conseguir quebrar os ovos direitinho sem deixar cair casquinha, limpando a mão depois de cada ovo porque não aguenta ficar com a mãe melada, igual eu, medindo a farinha bem certinho, passando o dedo pra ficar retinho e tudo. É delicioso demais ver você se deliciando com seu próprio sucesso. Adoro quando você me chama pra deitar no seu colo quando você está assistindo TV, e eu deito na sua perninha gordinha, e você faz cafuné. Adoro quando você me chama pra inventar brincadeiras onde eu tenho que dizer exatamente o que você tem no seu script mental, sem direito a mudança, e adoro nossas segundas-feiras, quando você fica trabalhando comigo no escritório, na sua mesinha de bricolagens. A outra coisa que me faz feliz a cada manhã, porque faz você feliz também, é arrumar o cabelo. A gente se diverte escolhendo presilhinhas, decidindo se vamos fazer maria-chiquinha, cocotinha, trancinha (uma ou duas, porque o Zack gosta mais de duas), rabinho alto, baixo, de lado...uma infinidade de vaidades que me lembram tanto eu! – E quanto mais eu te vejo, mais eu concordo que uma das coisas mais deliciosas de ser mãe, é a gente ver a vida de novo. E eu que sempre achei que as coisas só eram bem boas quando vistas com olhos de primeira vez, agora consigo ver que há sim uma coisa linda em ver tudo com olhos de “segunda vez”, vale a pena ver de novo e é claro, com a chance de melhorar, de endireitar o que saiu meio torto, enfim, você é uma projeção onde só coisas boas se projetam, como ler um texto pela segunda vez e achar os erros, e descobrir novas belezas, como visitar um lugar amado de novo e achar novos cantinhos, e evitar os restaurantes ruins, e assim, do velho escrever uma história novinha em folha, uma história que vira cada vez mais sua, uma história que eu comecei, mas que aos poucos vou te ensinando a segurar a caneta, escrevemos juntas, até que um dia você vai pegar a caneta de vez, e continuar escrevendo sozinha, e eu vou ler, filhotinha, vou ler e acompanhar cada novo capítulo, mas vai ser impossível não sentir saudade de quando escrevíamos juntas.